14.9.10

E o que Goethe tem a ver com isso?


Aglaja Veteranyi e a Literatura Alemã

Não que a literatura alemã tivesse ficado até agora imune a influências estrangeiras. Muito pelo contrário. Pode-se justamente afirmar que ela é fruto de influências externas amalgamadas ao longo dos séculos. Ou seriam de origem germânica a balada, a elegia, o aforismo e tantos outros gêneros em que se consagraram grandes autores alemães?

Um estudo da história da tradução na Alemanha (bem como em outros países, claro) delinearia as rotas das influências literárias e exigiria ajustes na história da chamada literatura nacional. Exatamente nos momentos em que se considerava mais inovadora, a literatura alemã era, de fato, uma literatura alemanizada, através de adaptações, de importação e inspiração. (Antropofagismo germânico?) Do romantismo ao nacional-socialismo, porém, houve constantemente a preocupação de "limpar" a literatura alemã de todas as influências internacionais.

Paradoxalmente, foram exatamente os horrores do regime nazista que vieram expor a literatura alemã a novas influências internacionais. A produção literária dos autores exilados ficou, em boa parte, perdida, espalhada por diversos países. Vários autores passaram a escrever na língua do país de seu exílio (cito Paul Celan e Kurt Schwitters, entre tantos outros), ou sob novas óticas, adquiridas na sua experiência no estrangeiro.

A partir dos anos 50, chega na Alemanha a primeira leva de estrangeiros que vão trabalhar na reconstrução do país, aos quais se juntarão, mais tarde, refugiados políticos e econômicos, os filhos dos primeiros, os filhos dos segundos e, finalmente, os filhos da globalização. "Chamamos mão-de-obra, vieram seres humanos", resumiu Max Frisch. Estava formado o caldo de onde surgiria, a partir da segunda metade dos anos 90, uma nova vertente da literatura de língua alemã.

Aglaja Veteranyi, nascida na Romênia, era um dos expoentes desta nova geração, cujos traços comuns poderiam-se resumir em uma biografia incomum, a experiência de vida em duas culturas e duas línguas diversas e o conseqüente descompromisso com as tradições sócio-burguesa e literária dos dois países em questão. Em seus poemas em prosa, ou suas mini-histórias, Aglaja nos confronta com seres humanos perdidos, grotescos, inseridos ou não na sociedade, coniventemente dilacerados por ela ou vítimas da sua indiferença. Tudo isso servido de forma aparentemente ingênua, com o certo humor que o absurdo pode causar, numa linguagem muito concisa - às vezes quase infantil -, sem permitir ao leitor, porém, o conforto do distanciamento. Nada se sustenta no mundo que Aglaja nos apresenta, apenas a precisão do seu olhar.

Aglaja Veteranyi, que decidiu morrer em fevereiro de 2002, deixou-nos dois romances e uma coletânea de suas mini-histórias.


Fabiana Macchi
Publicado na revista Coyote N.11, 2005

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