20.10.10

Kurt Schwitters: cinco poemas

Nennen Sie es Ausschlachtung
(um 1919)

Anna Blume ist die Stimmung, direkt vor und direkt nach
                                                        dem Zubettgehen.
Anna Blume ist die Dame neben Dir
Anna Blume ist das einzige Gefühl für Liebe, dessen Du
                                                        überhaupt fähig bist
Anna Blume bist Du
Anna Blume ausschlachten heisst Dich schlachten
Bist Du schon einmal geschlachtet worden?
Anna Blume schlachten heisst Dich ausschlachten
Du lässt Dich gern ausschlachten?
Schlachte Anna Blume, die Stimmung vor dem Zubettgehen
Schlachte Anna Blume, die Dame neben Dir
Anna Blume schlachten, ist die einzige Ausschlachtung, deren Du
                                                        überhaupt fähig bist
Wenn Du nicht zufällig, Merz wolle Dich bewahren, ein ganz
                                               unfähiger Mensch sein solltest.



Chamem de Dilapidação
(c. 1919)

Anna Flor é o teu ânimo logo antes e logo depois de ir-para-a-cama.
Anna Flor é a dama ao teu lado
Anna Flor é o único sentimento de amor que és capaz de sentir
Anna Flor és tu
Dilapidar Anna Flor significa aniquilar-te
Já foste aniquilado?
Aniquilar Anna Flor significa dilapidar-te
Te apraz ser dilapidado?
Aniquila Anna Flor, teu ânimo antes de ir-para-a-cama
Aniquila Anna Flor, a dama ao teu lado
Aniquilar Anna Flor é a única dilapidação que és capaz de realizar
A menos que sejas — que MERZ te livre — um ser completamente incapaz.





Sauberkeit
(Für Leute, die es noch nicht wissen)
(1921)

Ich liebe die hygienische Sauberkeit. Ölfarben riechen wie ranziges Fett. Temperafarben stinken wie faule Eier. Kohle und Graphit sind der schmierigste Dreck, was man schon an der schwarzen Farbe erkennen kann. Ich liebe die hygienische Sauberkeit und die hygienische Malerei. Das nenne ich »MERZ«. Merzmalerei verwendet die delikatesten Materialien, wie sauberen Roggenmehlkleister, desinfizierte Zeug- und Papierfetzchen, gut gewaschenes Holz, alkoholfreie Eisenbeschläge und dergleichen, die Merzmalerei ist absolut bazillenfrei. Der einzige Bazillus, der tatsächlich durch Merz übertragbar ist, ist der Tollwutbazillus. Er ist seinerzeit, ohne meine Schuld, auf Merz übertragen durch den Biss tollwütiger Kritiker und überträgt sich weiter auf jeden Herrn Kritiker, der sich neuerdings in Merz festbeisst. Merz beisst nicht, aber die Herren Kritiker. Kritiker beissen nämlich über, wie Bulldoggen. Ich bedaure es sehr, dass mittlerweile fast die gesamte deutsche Kritik, mit Ausnahme einiger starker Persönlichkeiten, infolge Merzbiss tollwütig geworden ist.


Limpeza
(Para os que ainda não sabem)
(1921)

Eu amo a limpeza higiênica! Tinta a óleo tem cheiro de banha rançosa. Tinta têmpera fede como ovo podre. Carvão e grafite são os dejetos mais lambuzentos que há, vê-se já pela própria cor. Eu amo a limpeza e a pintura higiênica. E dei-lhe o nome de pintura »MERZ«. A pintura MERZ utiliza os materiais mais delicados, como puríssimo grude de farinha de centeio, pedaços de objetos e nacos de papel esterilizados, madeira bem lavada e ferragens e afins sem adição de álcool. A pintura MERZ é completamente livre de bacilos. O único bacilo realmente transmissível pela pintura MERZ é o bacilo da raiva. O contágio ocorreu, sem que eu pudesse impedir, através da mordida de críticos raivosos. No momento, o bacilo é retransmitido a todos os críticos que se mordem com a pintura MERZ. MERZ não morde, mas os críticos, sim. Os críticos mordem, e mordem-se de raiva, como buldogues. É realmente lamentável que, atualmente, quase todos os críticos alemães — com exceção de alguns poucos, de forte personalidade —, estejam contaminados pela raiva, por terem mordido a pintura MERZ.

  


Z A
(elementar)
(1922)

                   Z Y X
            W V U
                   T S R Q
            P O N M
                   L K I H
            G F E
                   D C B A





So, So!-
(1942)

Vier Maurer sassen einst auf einem Dach.
Da sprach der erste: "Ach!"
Der zweite: "Wie ists möglich dann?"
Der dritte: "Dass das Dach halten kann!!!"
Der vierte: "Ist doch kein Träger dran!!!!!!"
Und mit einem Krach
Brach das Dach.



Bem assim!
(1942)

Quatro pedreiros sentados no telhado.
O primeiro falou: "Encasquetado!"
O segundo retrucou: "Como é possível então?"
E o terceiro: "Que o telhado tenha sustentação!!!"
O quarto: "Se não há um só vergalhão!!!!!!"
E num tremendo estrondo
No telhado abriu-se um rombo.





Kleines norwegisches Wintergedicht
(1930-1935)

Schneeflocken fallen leise
In monotoner Weise.
Der Himmel ist so grau.



Pequeno Poema Norueguês de Inverno
(1930-1935)

Flocos de neve caem quietos
Em monótonos trajetos.
O céu é cinza demais.



Todas as traduções de Fabiana Macchi
(publicados na Sibila - Revista de Poesia e Cultura. N. 7, 2004) 

Republicado na revista Germina Literatura, no especial "Cinco anos de Sibila", em Retrospectiva, Três bons Momentos, dezembro 2005
http://www.germinaliteratura.com.br/sibila2005_kurtschwitters.htm


14.10.10

melodraminha antropofágico


acordou (farta) e
resolveu degluti-lo
eliminá-lo

começou por acariciar-lhe o peito, extenso
alisou-lhe as coxas, duras
apaupou-lhe o membro, rijo
lambeu-lhe o pescoço
mordeu-lhe a nuca

depois arrancava os pedaços daquela carne quente
e mastigava-os com intensidade e volúpia
o sangue escorrendo pelo queixo, os olhos esbugalhados
pelo prazer daquele ato

para o final deixara as orelhas, deliciosas
triturou-as bem, sugando-lhes o sabor visceralmente
engoliu o último pedaço, limpou a boca, lavou as mãos

depois sentou-se num canto, quietinha 
pensando no sol poente 





Miguel Anselmo, óleo sobre madeira


Miguel Anselmo, óleo sobre madeira

4.10.10

wo kommen sie her?

o garçom diz
ter logo percebido
que eu não era
européia
(e algo nisso me alivia)

para comemorar nossa alteridade
- ele de casablanca -
oferece-me   
uma taça de vinho
branco

aceito                                               
na meia-luz do restaurante
o sorriso largo
dele

2.10.10

Se eu fosse Cacaso

talvez hoje tivesse escrito:

Feito Mistério

Então
Senti que o resumo
É de cada um

Que todo rumo
Deságua
Em lugar comum

Então eu monto num cavalo
Que me leva a Teerã
E não me perco jamais
Quando desespero
Vejo muito mais

Essa canção
Me rói feito um mistério
Essa tristeza dói

Meu fingimento é sério
Como aéreo
É sempre todo amor


Canção de Lourenço Baeta e Cacaso