30.7.10

A máquina de fazer radadistas

A máquina de fazer radadistas foi feita para você. Ela compõe-se de uma excepcional combinação de engrenagens, eixos e cilindros, com cadáveres, ácido nítrico e MERZ e foi construída de tal forma, que você entra nela em pleno gozo de suas faculdades mentais e sai completamente sem juízo. Tal efeito traz grandes vantagens para você. Invista o seu dinheiro em uma cura-radadista e você jamais se arrependerá; aliás, a sua capacidade de se arrepender será completamente inexistente após a cura. Não importa se você é rico ou pobre, a máquina de fazer radadistas o libertará - inclusive - da necessidade do dinheiro em si. Se você é capitalista, passará primeiro por um funil, depois por vários cilindros, até mergulhar num banho de ácido. Depois, você entrará em contato físico com alguns defuntos. Vinagre gotejará cubismo dadá. Então você verá o grande Radadá. (Não o presidente do globo terrestre, como muitos pensam). Radadá irradia astúcia e é revestido de cerca de 100.000 agulhas pontiagudas. Depois de ser chacoalhado para lá e para cá, alguém lerá para você meus novos poemas, até você cair inconsciente. Aí você será socado e radadado, para depois, de repente, ser expelido para fora da máquina, transformado em um antiburguês com um novo penteado. Antes da cura, você tinha pavor até do buraco de uma agulha, depois da cura, nada mais o apavora. Você é um Radadista e reza diante da máquina com todo o fervor. - Amém.

Kurt Schwiters (1921)


Tradução Fabiana Macchi
(publicado na Sibila - Revista de Poesia e Cultura, Nr. 4, 2003)

25.7.10

O chapéu de Robert Walser

“Comprei um chapéu novo, que me cai bem e faz de mim um senhor elegante e altamente distinto, o que eu, aliás, não sou. Quero usá-lo - o chapéu e, com ele, também o senhor distinto - somente aos domingos, pelo menos por enquanto, já que o velho ainda está bom para os dias de semana. Mas se a senhora ou a senhorita Lisa viessem me visitar, eu não julgaria conveniente apresentar-me com o velho Gepper e usaria então o chapéu novo. É um Göggsli, de fabricação alemã portanto, que não está mais muito na moda e que custa apenas 12 francos.”



Robert Walser em carta à senhorita Frieda Mermet, 29.12.1918
Tradução Fabiana Macchi

22.7.10

O burnout de Robert Walser

Sim, é verdade, escrevi até a exaustão. Fiquei carbonizado por dentro, como um velho forno. Esforcei-me para continuar a escrever, apesar desses alertas. Mas de meus esforços saíam apenas banalidades. Para mim foi sempre assim: só deu certo o que de mim pôde surgir calmamente e o que eu, de alguma forma, havia vivido. Naquela época, fiz algumas tentativas diletantes de abreviar a minha vida. Mas não sabia sequer preparar um laço. Por fim, a situação chegou a tal ponto que minha irmã, Lisa, trouxe-me para o sanatório Waldau. Ainda em frente ao portão principal, perguntei-lhe: ‘Você acha que estamos fazendo a coisa certa?’. Seu silêncio disse-me tudo. O que me restava fazer, senão entrar?

(Trecho do diário de R. Walser, 1939)
Tradução Fabiana Macchi

Nota biográfica

Robert Walser nasceu em Biel, na Suíça, em 1878. Tentou ser ator, foi escriturário, funcionário de biblioteca, capataz. Começou a publicar artigos em jornais aos 20 anos, seguiram-se livros de ensaios, vários romances, volumes de poemas, de contos, comédias, mini-histórias. Walser viveu em Berna, Berlim e Leipzig, escreveu para vários jornais internacionais, publicou intensamente até os 47 anos de idade, foi muito admirado pelos autores da época, sendo Franz Kafka o mais célebre entre eles.
A partir da segunda metade dos anos 20, sua saúde começa a sofrer as conseqüências da intensidade do seu trabalho. Walser passa a ouvir vozes e, em 1929, acaba sendo internado em um manicômio em Berna, capital da Suíça, onde viveu os próximos 27 anos de sua vida.

18.7.10

Os Pichadores de Pompéia

Sim, na cidade romana de Pompéia, que existiu do século 7 a.C. até 24.8.79 d. C., quando foi destruída pelas lavas e cinzas do Vesúvio, também existiam desiludidos e pichadores. São três os fragmentos descobertos em uma parede da cidade - revelada pelas escavações arqueológicas a partir de 1748 - que foram musicados pela compositora e soprano suíça Katrin Frauchiger (1967) em 1997.

O original é em latim, de um ou mais pichadores anônimos. Traduzi apenas o primeiro fragmento. Uma tradução indireta, do alemão (já que meu latim não é lá essas coisas). Solução insatisfatória, eu sei. Mas quem sabe um dia alguém traduz os três fragmentos direto do latim.


Fragmentos de Pompéia
(Inscritos em uma parede de Pompéia)

I
Que morram todos os amantes!
Quero quebrar a pauladas as costelas da deusa Vênus
e aleijar as suas ancas.
Se a ela é permitido abalar meu frágil coração,
por que me haveria de ser proibido,
com um cacetete,
esmigalhar-lhe o crânio?


Autor: Anônimo romano

Tradução Fabiana Macchi
(publicado na Revista Zunái)
http://www.revistazunai.com/traducoes/anonimo_romano.htm



Pompeji-Fragmente 
(Wandinschriften aus Pompeji)*

I
Alle Liebenden mögen zu Grunde gehn.
Ich will mit Stockschlägen die Rippen der Göttin Venus zerbrechen
und ihr die Hüften zerkrüppeln.
Wenn es ihr erlaubt ist mein feinfühliges Herz zu erschüttern,
weshalb sollte es mir dann verwehrt sein,
ihr mit dem Stock den Schädel zu zertrümmern?


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Dados sobre a composição:

Katrin Frauchiger (1967)
Fragmentos de Pompéia (Pompeji-Fragmente)
para soprano, flauta, viola e violoncelo (1997):

I Alle Liebenden sollen zugrunde gehen
II Quisquis amat nigram
III Nichts kann ewig währen

Primeira audição em 1997 no Kultur-Casino, em Berna, Suíça.

16.7.10

poema-prótese

nada repete
o verde e
o branco
daquela onda
que estourou
na pedra

"Do meu país, só conheço o cheiro"

Representante de uma tendência irreverente da literatura alemã surgida nos anos 90, a romena Aglaja Veteranyi (1962-2002) iniciou sua carreira publicando seus prosa-poemas em antologias dos "novíssimos" na década passada – última do século 20. Como muitos autores deste tipo de literatura, nascidos entre os anos 50 e 70, Aglaja tem uma biografia bastante incomum. Nasceu em Bucareste em uma família de artistas de circo que fugia da ditadura e, por isso, passou a infância viajando pelo mundo com o circo. O que poderia parecer leve e lúdico revela-se cruel e implacável. O desterro e o desamparo marcariam para sempre a sua personalidade. A partir dos 17 anos, Aglaja passa a viver na Suíça, onde adquire a sua "língua-madrasta". Forma-se em teatro, trabalha como atriz, escreve peças, funda, em 1993, um grupo de litaratura experimental e, em 1996, um grupo de teatro. Em 1999, lança o seu primeiro romance (Warum das Kind in der Polenta kocht, - Por que a criança cozinha na polenta, DBA, 2004), pelo qual recebe vários prêmios e conquista um público mais amplo. Sua linguagem, aparentemente ingênua, contrasta com um olhar severo, que procura revelar o absurdo e as contradições do cotidiano. Aglaja citava Beckett e Ionesco como seus mentores. Em 3 de fevereiro último (2002), como uma de suas personagens, Aglaja "perde a memória e esquece-se de acordar".



Fabiana Macchi
(publicado na Sibila - Revista de Poesia e Cultura N. 2, 2002)